Alex Lima, filho de sindicalista assassinado, defende dissertação na Unifesspa sobre luta pela terra no Pará
Matéria original do Blog Furo, de Rogério de Almeida.
Manifestação pela passagem do assassinato de Gringo. Fonte: internet.
Raimundo Ferreira Lima, mais conhecido como “Gringo” foi executado por pistoleiros em maio de 1980, quando somava apenas 43 anos, em São Geraldo do Araguaia, sudeste paraense. Além de sindicalista em Conceição do Araguaia, Lima era agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Gringo foi o primeiro dirigente sindical assassinado na região marcada pela aguda de disputa pela terra no sudeste e sul do estado do Pará. Trata-se da região mais violenta do país no que tange à luta pela terra. Após Gringo foram executados Expedito Ribeiro e alguns membros da família Canuto. Ainda hoje a matança não cessou.
Os anos da década de 1980 são considerados os mais violentos nas margens dos rios Araguaia-Tocantins. Anos da criação da União Democrática Ruralista (UDR), braço armado dos ruralistas.
A organização foi articulada pelo médico e ruralista Ronaldo Caiado. Hoje, novamente, governador do estado do Goiás. A UDR assina inúmeras ações de violência que ceifaram a vida de posseiros, sindicalistas, agentes pastorais, advogados e dirigentes sindicais.
Neste processo de coerção em oposição à luta pela terra camponesa somam militares de todas as estirpes e batentes, das forças armadas, relevo ao Exército, e as policias civil e militar.
Naqueles tempos o ambiente era tomado pela doutrina da segurança nacional. Tensão agudizada por conta do episodio da Guerrilha do Araguaia. A militarização imperava, em particular com a presença do Exército – inúmeros quartéis povoam a região -, cujo representante maior era o major Curió.
Voltando ao caso do Gringo, o principal suspeito pelo sequestro e execução do sindicalista, ocorrido em São Geraldo do Araguaia, quando o mesmo retornava de evento em São Paulo, recai sobre o fazendeiro Neif Murad, relata uma das edições do boletim Grito da PA 150.
A formação de consórcio por parte dos ruralistas para eliminar os seus adversários, assim como hoje, era recorrente. E, ainda as listas de pessoas ameaçadas pelos fazendeiros e políticos da região. No caso de Gringo, suspeitas recaiam também sobre o então deputado estadual, o médico e pecuarista Giovanni Corrêa Queiroz, natural de Minas Gerais. O mineiro, desde sempre, integrou a “bancada do boi”.
Mais tarde a viúva, Maria Oneide Costa Lima, e outros agentes pastorais, após o assassinato do sindicalista, passaram a receber ameaças, e cartas anônimas colocadas sob a porta da casa pastoral, e ameaças de servidores do Grupo Executivo de Terra do Araguaia Tocantins (Getat), como alerta a edição de nº 27 do Grito da PA-150. O nome de Gringo hoje nomeia uma escola pública em São Geraldo do Araguaia e o caso sobre a sua execução nunca foi a julgamento.
Gringo e D. Oneide. Fonte: internet.
O boletim ressalta ainda um episódio considerado um dos mais violentos contra os religiosos engajados na luta junto aos posseiros. No dia 31 do mês de agosto a Polícia Federal prendeu 13 posseiros do município de São Geraldo do Araguaia e os padres franceses Aristides Camilo e Francisco Goriou sob a acusação de incitação à desobediência civil. “Tudo indica que o ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, com base no inquérito realizado pela Polícia Federal e instruído pelo Departamento Federal de Justiça, avaliou que a presença dos religiosos é “nociva” aos interesses e segurança nacionais, e sugeriu a expulsão de ambos”.
Ativistas da época contam que a prisão dos religiosos provocou uma grande mobilização. Consta no rol de atos realizados pela soltura dos mesmos ocupar a procissão do Círio de Nazaré com faixas e cartazes pedindo a soltura dos missionários. Prender e torturar fazia parte do modus operandi dos agentes do regime. Na década de 1970, quando a agenda residia em sufocar a Guerrilha do Araguaia, o padre Roberto de Valicourt passou por experiência semelhante.
Tem-se neste contexto o papel autoritário do Estado, e associação do mesmo com frações de classe do país e o grande capital nacional e internacional na apropriação de vastas extensões de terra na Amazônia. Bancos Econômico, Bradesco, Bamerindus e a empresa Volkswagen figuram como alguns beneficiários. Além de várias famílias das elites do Centro Sul do país. Muitas presentes na região, ainda hoje. A animar novos conflitos.
Outras violências se sucederam no decorrer destas quatro décadas. Inúmeras execuções de dirigentes se espraiaram por todo o território do Pará. No rol, conta a execução da missionária Dorothy Stang, em 2005, no município de Anapu, a sudoeste paraense. Antes precedido pelo Massacre de Eldorado do Carajás, em 1996.
MOMENTO HISTÓRICO
No derradeiro dia do mês de abril de 2020, quando o Massacre de Eldorado de Carajás soma quase um quarto de século e a execução de Gringo 40 anos, um momento histórico transcorre com a mediação da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), no Programa de Pós Graduação em Dinâmicas Territoriais.
A banca examinadora e Alex Lima. Canto superior esquerdo prof Airton, superior direito Alex Lima (com foto de Gringo ao fundo), canto inferior esquerdo, profª Edma e o prof Ricardo Rezende.
Alex Costa Lima, sociólogo, filho de Gringo, professor em São Geraldo do Araguaia apresenta a dissertação Padres Posseiros de São Geraldo do Araguaia: o Caso de Cajueiro, sob a orientação do professor Airton Pereira (UEPA), e tendo como examinadores o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ricardo Rezende e a professora Edma Moreira (Unifesspa).
Quando da morte do pai, Alex Lima contabilizava somente nove meses de idade. Era o caçula de seis irmãos. Naquele momento Rezende era agente da CPT em Conceição do Araguaia nos tensos anos da década de 1980. O professor Airton também foi agente da CPT, décadas depois, na cidade de Marabá.
O trabalho de Lima buscou iluminar a partir do estudo de caso da luta pela terra no Castanhal de Cajueiro, o papel de frações da Igreja Católica junto aos posseiros. Além dos arquivos da CPT de Xinguara, o professor fez uso do arquivo da família e de relatos de antigos funcionários do INCRA, leigos e padres, posseiros e outros sujeitos daquele contexto.
Para o pesquisador a luta pela terra em Cajueiro, bem como pelo projeto de desenvolvimento a partir do protagonismo dos posseiros, o modo de uso das riquezas da região representou um momento de resistência contra a ditadura civil-militar, e pela radicalização da democracia.
No percurso do trabalho divido em quatro capítulos Lima realça a relevância do MLPA – Movimento de Libertação dos Presos do Araguaia – que aglutinou vários segmentos de diferentes correntes ideológicas, que mobilizaram ações no Brasil, na França e no Vaticano.
Professor Alex Lima. Fonte: facebook
40 anos se passaram do assassinato de Gringo. Em certa medida o posseiro da fronteira conseguiu se territorializar nas plagas do sul e sudeste do Pará. Hoje os projetos de assentamentos rurais controlam mais 50% do todo o território da região.
O posseiro, em certa medida foi reconhecido pelo Estado. Ganhou status de assentado da reforma agrária. Logrou êxito em acessar alguns direitos garantidos na Carta Magna, aqui que para isso tivesse que romper a cerca do latifúndio.
O reconhecimento tem como marco duas tragédias de violência do Estado e do capital contra trabalhadores rurais, o Massacre de Corumbiara (RO) e do Eldorado do Carajás (PA), estes, como gatilhos de reconhecimento em massa de áreas ocupadas na Amazônia por posseiros. Muitas há mais de duas décadas.
No entanto, isto não implica na equacionalização das lutas pela terra e as riquezas nela existente. O Estado, após quase meio século, mantém a ação autoritária e capturado pelas frações de classes. Bem como a democracia, tal os raquíticos meninos migrantes da década de 1980, continua capenga das pernas.
Contudo, creio, nas terras do Araguaia-Tocantins, a educação talvez seja o nicho de ação onde mais se conseguiu radicalizar na democratização na região, a partir da demanda de camponeses e indígenas.
A Unifesspa espelha a luta de classes. Num flanco, tem-se a Educação do Campo, em franco dialogo com o conjunto de sujeitos que historicamente foram subalternizados, e noutro extremo, os cursos relacionados com áreas mais técnicas, a exemplo das engenharias, por onde gravitam os interesses da mineradora Vale.
É ela, que ao controlar tecnologia e capital, que acaba por deter a hegemonia na definição do território. É o território local que abriga o maior projeto da mineradora em todo o seu portfólio.
Em oposição à mineradora, ruralistas, as oligarquias locais e outros setores, crasso exemplo da peleja pela terra foi a edificação do Campus Rural do IFPA. O antigo Castanhal grilado pela família Mutran, e ocupado pelo MST ao fim dos anos 1990, numa peleja que durou uns dez anos, hoje abriga uma instituição de ensino onde filhos de posseiros e indígenas conseguem estudar de forma digna num espaço público.
A defesa de Lima quebrou o protocolo do rito de passagem. Além da mãe, dona Oneide, fizeram intervenção os padres Aristides Camilo e Francisco Goriou, que foram detidos na década de 1980.
A dissertação de Lima não representa um caso isolado no combate pela terra. Ela vem a se agregar a um conjunto de trabalhos de filhos de posseiros e indígenas que aportaram nestas terras do Araguaia-Tocantins em tempos idos do século passado. Enfrentaram todos os tipos de obstáculos, até alcançar uma universidade pública.
Todavia, o contexto politico e econômico nos dias de hoje, reflete aquele de tempos distantes, - uma vez mais - as populações locais encontram-se ameaçadas pela expropriação pelo grande capital com a mediação do Estado, este apropriada pelas frações de classes – em particular ruralistas – e milicos talvez, de forma mais agressiva que dantes.
Conheça mais relatos sobre a luta pela terra no Araguaia Tocantins escrita pelos protagonistas na obra Memorial da Terra dos Castanhais. Baixe AQUI
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